AUDRE LORDE: Minha poesia e minha autodefinição
- Luiza Freitas
- 21 de mar. de 2023
- 3 min de leitura
[Artigo apresentado no encontro da Modern Language Association, em Nova York, dezembro de 1976. Arquivos de Audre Lorde no Spelman College]

Nenhum poeta que tenha algum valor escreve algo além daquelas várias entidades que ela ou ele definem como seu eu. A consciência que tenho dessas personalidades e a aceitação dessas partes de mim é que vão determinar como minha vida aparece na minha poesia.
Como minha vida se torna disponível, com suas forças e fraquezas, por meio do meu trabalho, para cada uma de vocês. Em outras palavras, o tempo, mais do que qualquer outra coisa, é o responsável por me mostrar o que preciso. Contudo, sei que se eu, Audre Lorde, não definir quem sou, o mundo exterior decerto o fará e, como cada uma de vocês descobrirá, provavelmente definirá todas nós, para nosso prejuízo, como indivíduo ou como grupo.
Então não posso separar minha vida e minha poesia. Escrevo minha vida e vivo meu trabalho. E encontro verdades que espero sejam capazes de alcançar outras mulheres, de levar riqueza, além das diferenças em nossas trajetórias, as diferenças no amor, no trabalho. Porque é no compartilhamento dessas diferenças que encontramos o crescimento. É no interior dessas diferenças que encontro o crescimento, se for honesta o suficiente para falar de tudo o que sou, de meus amores, rancores, erros, assim como das minhas forças.
Sinto, e aposto minha vida e meu modo de vida nisso, que nos fortalecemos quando fazemos aquilo que exige que sejamos fortes.
Solstício.
Sinto que minhas palavras aqui e agora são parte do que eu pago, e pago mais de uma vez, por quaisquer forças que são criadas aqui entre nós enquanto falamos. Estou constantemente definindo meus eus, pelo que sou, assim como pelo que todos somos, feitos de tantas partes diferentes. No entanto, quando essas partes guerreiam dentro de mim, fico imobilizada e, quando elas se movem em harmonia, ou em trégua, me enriqueço, me fortaleço. Mas sei que há mulheres negras que não usam minha obra em suas aulas porque sou lésbica. Há lésbicas que não me ouvem porque tenho dois filhos que amo profundamente, um deles um menino. Há mulheres, talvez nesta sala, que não conseguem lidar comigo nem com minhas ideias porque sou negra, e seu racismo se torna uma cegueira que nos separa. Digo nós me referindo a todas aquelas que realmente acreditam que podemos trabalhar por um mundo em que todas sejamos capazes de viver e nos definir.
Vou lhes dizer uma coisa. Minhas amigas, sempre haverá alguém tentando usar uma parte de vocês e, ao mesmo tempo, as encorajando a esquecer ou destruir todas as outras. E aí vai um aviso: isso é a morte. A morte como mulher, a morte como poeta, a morte como ser humano. Quando o desejo por definição, de si mesma ou de outra, vier de uma vontade de limitação em vez de expansão, nenhuma face verdadeira será capaz de emergir. Porque qualquer ratificação do exterior só pode reforçar, e não fornecer, minha autodefinição.
Ninguém que me disser que tenho valor, ou que um poema é bom, poderá criar uma sensação semelhante de valor dentro de mim, ou de ter realizado o que me propus fazer. E aquelas entre nós que são negras, que são mulheres, que são lésbicas, todas vocês sabem o que quero dizer. O negro é lindo, mas está saindo da moda; contudo ainda sou negra. O movimento de libertação das mulheres pode em breve sair de moda, porque esse é o american way. De todo modo, não deixarei de ser mulher. Mais uma coisa. Mulheres que amam mulheres continuarão a entrar e a sair de moda, entretanto isso não altera a quem direciono meu amor.
Então, lembrem-se. Quando eles vierem atrás de mim ou de você, não fará nenhuma diferença se você, ou eu, for uma mulher negra lésbica poeta mãe amante que faz e sente, só importará o que compartilhamos no crescimento do movimento humano mais real e ameaçador, o direito a amar, trabalhar e nos definirmos, do nosso jeito.
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